A Profecia do Último Papa: Mito ou Realidade?
Introdução
Atendendo aos diversos pedidos recebidos, abordaremos hoje a famosa "Profecia do Último Papa", também conhecida como a profecia de São Malaquias - que não deve ser confundida com o profeta Malaquias da Bíblia. Analisaremos o que há de verdadeiro nessa profecia, o que pode ser considerado mito e como podemos interpretá-la à luz da Bíblia Sagrada.
Quem foi São Malaquias?
São Malaquias nasceu em 1094 na Irlanda e, ainda na adolescência, tornou-se abade de Armagh. Suas visões místicas começaram em 1139, durante sua primeira viagem a Roma. Foi canonizado em 1199 pelo Papa Clemente III. É importante esclarecer que este São Malaquias não tem qualquer relação com o profeta Malaquias que escreveu o último livro do Antigo Testamento.
São Malaquias era amigo próximo de Bernardo de Claraval (ou Bernardo de Clairvaux), um teólogo muito influente na história da Igreja. Seus restos mortais podem ser visitados na Europa: fragmentos de seus ossos estão na Abadia de Claraval (Clairvaux), enquanto outras relíquias foram distribuídas por diferentes igrejas.
A Origem da Profecia
A primeira publicação das profecias atribuídas a São Malaquias ocorreu em 1595, por um monge beneditino chamado Arnold Wion, em seu livro "Lignum Vitae, Ornamentum et Decus Ecclesiae" (O Lenho da Vida, Ornamento e Glória da Igreja). Nesta obra, aparecem 112 frases em latim, cada uma supostamente descrevendo um papa, desde Celestino II (que morreu em 1144) até o que seria o último pontífice da história.
A lista apresenta os papas de forma codificada, não mencionando seus nomes diretamente, mas utilizando expressões simbólicas que caracterizariam cada um deles. Os primeiros 74 dísticos (expressões de duas frases em latim) contêm comentários do historiador espanhol Alfonso Chacón (Afonso Racon).
A Controvérsia
Segundo a profecia, após o Papa Francisco (que seria o 111º papa da lista), viria o 112º e último papa, chamado "Pedro Romano" (Petrus Romanus), que enfrentaria o tempo do anticristo. Considerando a morte do Papa Francisco, muitos especulam se seu sucessor será, de fato, o último pontífice da história.
No entanto, existem várias inconsistências que levantam dúvidas sobre a autenticidade desta profecia:
- O silêncio histórico: Não há registros da existência desta profecia entre a morte de São Malaquias (século XII) e sua publicação em 1595 (século XVI). Como explicar esse silêncio de quatro séculos?
- A inclusão de antipapas: A lista inclui antipapas (cardeais que disputaram o trono papal sem reconhecimento oficial da Igreja), como Victor IV, Nicolau V e Clemente VII. Se a lista deveria conter apenas os papas legítimos, por que incluir os antipapas?
- Interpretações forçadas: Muitas das associações entre as descrições codificadas e os papas parecem arbitrárias. Por exemplo, Nicolau V é descrito como "Modici Lunae" (Lua Pequena) por ter nascido na família Parentucelli em um lugar chamado Lunigiana. Pio II é descrito como "De Capra et Albergo" (Da Cabra e do Albergue) por ter sido secretário dos cardeais Capranica e Albergati.
A Posição da Igreja Católica
A Igreja Católica não possui uma posição oficial sobre a profecia de São Malaquias - nem a endossa nem a condena explicitamente. No entanto, no Quinto Concílio de Latrão (1516-1517), estabeleceu-se que a Igreja não nega a possibilidade de profecias verdadeiras no período pós-apostólico, mas recomenda cautela na verificação de sua autenticidade.
A Igreja também não subscreve profecias que apontem datas específicas para a chegada do anticristo, alinhando-se com o ensinamento bíblico de que "não compete a vocês conhecer tempos ou épocas que o Pai fixou por sua própria autoridade" (Atos 1:7).
A Perspectiva Bíblica
A Bíblia é clara quanto à impossibilidade de determinarmos o momento exato da volta de Cristo:
"Portanto, vigiem, porque vocês não sabem em que dia virá o Senhor de vocês." (Mateus 24:42)
"A respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos no céu, nem o Filho, senão somente o Pai." (Mateus 24:36)
A história nos mostra os perigos de marcar datas para eventos apocalípticos. A própria Igreja Adventista do Sétimo Dia surgiu após o "Desapontamento de 1844", quando William Miller e seus seguidores previram incorretamente a volta de Jesus para 22 de outubro daquele ano.
Conclusão
Embora a profecia de São Malaquias desperte fascínio e especulação, especialmente em momentos de transição papal, devemos abordá-la com cautela e discernimento. Em vez de nos concentrarmos em prever datas ou identificar o "último papa", deveríamos focar no reavivamento espiritual e na preparação para a volta de Cristo.
Como cristãos, somos chamados não apenas a crer na volta de Jesus, mas a amá-la e esperá-la ativamente. Nas palavras de Paulo Freire, devemos cultivar a esperança que vem do verbo "esperançar" - aquela que é contagiante e nos move à ação - e não apenas do verbo "esperar", que denota passividade.
Independentemente de quando ocorrer o fim dos tempos, nossa missão permanece a mesma: viver de acordo com os ensinamentos de Cristo e estar preparados para Sua volta, seja ela iminente ou não.